domingo, 8 de junho de 2014

O terror versus o horror



Você conhece Bryan Maupassant?

Claro que não. Porque ele não existe. Foi um pseudônimo criado para lançarmos os contos góticos de uma coleção, intitulada Dialogando com o horror. Mas que ficou apenas no primeiro volume.

Você também sabe que terror é diferente de horror?

De um modo semântico, enquanto nomenclatura, os dois nomes trabalham com o nosso estado sensorial, mas de formas diferentes. O terror é uma derivação daquilo que é terrível e que amedronta, aterroriza. Já o horror causa arrepios e impressão de repulsa, desagrado, repugnância, ameaça, pavor. O suspense também não tem nada a ver com ambos, tratando de transmitir impaciência e agonia em alguém ou um espectador, sobre algo que vai ou está prestes a ocorrer.  

Como gêneros artísticos, estão ligados à ficção e à fantasia, contextualizado a ideia abstrata não só nas artes literária, mas também cinematográfica, pictórica e imagéticas em geral.

A seguir, o prefácio que escrevi para o livro, na época:

O gênero de terror povoa a criatividade e o prazer dos seus admiradores desde que surgiu. Cada vez mais popular nas diversas produções, tanto nas estrangeiras como nas nacionais, não é algo novo e nem modal. 


Especificamente na literatura, o  terror nunca sai de moda, através do seu peculiar clima, cenário, enredo e personagens remontando ao mais sombrio lado humano, expondo temas sobrenaturais e personagens fantasiosos, desde velhas épocas.

O livros de terror – chamados também de literatura gótica – sempre se associou ao universo do darkismo , ligado à visão pessimista, mórbida, diabólica e contra o mundo carnal e material, fazendo jus ao seu clássico estilo representado por símbolos provenientes das trevas, do inexplicável, do fúnebre e demais elementos que revelam o lindo e negro lado da vida.

O termo gótico designa todo contexto inspirado em vertentes vampíricas, zumbiônicas e satânicas. No âmbito literário despontou no princípio do século XIX, na Europa, durante o movimento do Romantismo, com aguçados escritores como Goethe, Poe, Lord Byron, Bram Stoker e Mary Shelley. Em nosso país, o estilo foi influenciado pelo indianismo que despontava com o olhar nacionalista brasileiro, mas foi fiel com o grupo de Ultra-Românticos constituído por Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Casimiro de Abreu.

No final do mesmo século surgiu o Simbolismo, com seus malditos poetas angustiados e expelindo o existencialismo poético nas escritas, como os franceses Rimbaud e Verlaine, e o inglês Edgard Allan Poe. 


Ao final do século XX, mais precisamente no intróito dos anos 80 e fins dos 70, o gótico voltou a carregar o cedro e a coroa da literatura, acumulando mais fãs e interessados sobre o assunto, alastrando-se para outras artes em geral, como nos efeitos do cinema – Dráculas e zumbis –, no panorama do musical pós-punk – The Smith, Siouxsie, Joy Division, Echo and The Bunnyman e The Cure – e nas vitrines, saindo das ruas para as passarelas de grifes famosas – Vivienne Westwood e Herchcovitch.

A ideologia gótica criou, então, apreciadores dos mais bizarros hábitos e imagens, como os realizadores de rituais macabros, visitantes de cemitérios, usuários da cor preta, indumentários místicos e pesada maquiagem negra, remetendo a uma aparência nada amigável e infeliz, incorporado também pelo rock, compondo toda a estética e comportamento que identificava a alma depressiva e a aparência soturna dos que cultuam a realidade melancólica e negativa que os cercam. 

Porém, muito antes de chegar às estantes, o gótico começou através dos godos, um povo nômade de vivia em plena Idade Média – período em que mais se construiu igrejas sob o domínio cristão. E se associava principalmente às artes arquitetônicas e pictóricas, com fortes traços da religiosidade. 

No Brasil, o despontar do século XIX importou esta geração romântica com os autores do Ultra-Romantismo, com Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela, que escreveram profundamente sobre o amor e a morte, temas centrais da nossa poesia romântica.

Depois que o Simbolismo brasileiro trouxe Augusto dos Anjos e Cruz e Souza, ícones do mal-estar psicológico e físico do conflito entre a dor e o prazer, integrou-se questões referentes à crise do homem diante da pré-modernidade, também conhecida como mal-do-século. 

A seguir, no século XX, a revolução modernista europeia manteve algumas características existenciais na incomparável escrita de Cecília Meireles e Clarice Lispector, entre outros. Hoje, autores mais recentes revelam a caótica condição humana e escancaram o amedrontador submundo em seus escritos, construindo a nova face da literatura gótica no Brasil.

Pela primeira vez descoberto e publicado, Bryan Maupassant, autor desconhecido – ou não – e oculto em sua máscara de mistério, envolto em seu anônimo manto, abrindo o portal do inferno que desnuda seu negro espírito de escrita branca, diante da inquieta literatura que liberta fantasmas e acorrenta leitores. 

Bryan Maupassant apenas nos dá o primeiro impulso para invadirmos a sua caverna de palavras que incendeiam nossos olhos, perturbam nossa mente e estremecem nossos ossos. A morte, para ele, é o grande sentido da vida. E da sua criação. 

Das inúmeras teorias cientificas e místicas que tentam justificar o que é morrer –  rótulo criado para nomear o que não conhecemos e nos atormenta – Bryan mostra, através de suas histórias, o difícil linear entre as fronteiras que dividem a loucura da razão, a realidade da ilusão, a verdade do mito, a vida e a morte. A mesma morte que – provavelmente – jamais conseguimos entender. 

Levando em consideração que o verdadeiro autor oculto está presente em seu livro, deixa-nos a filosófica pergunta da existência do que não existe. Ou seja, Bryan – ou Sérgio, ou qualquer outro autor desconhecido, sabe-se lá – é a prova de que por trás de todo ser imaginário, há um ser real. 

Suas páginas nos arrastam a jornadas subterrâneas de nós mesmos, diante das infinitas especulações que brotam feito ervas daninhas em nossa consciência, através do conhecimento de que um dia morreremos, mas sem, no entanto, decifrarmos o que isso realmente é.

Bryan imprime a cruel certeza – ou a perigosa suposição – do quanto a morte vem a ser mais viva do que a própria vida.