Em breve o lançamento da antologia 'Poemas da madrugada', pela Editora
Litteris, escrito ao longo da vida por uma autora regional,
Fátima Lima, eleita para o projeto literário da Secretaria de Cultura da
prefeitura da cidade de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, com participação de Flávia Dantas.
A indicação para que eu fizesse o prefácio, transcrito logo abaixo, e organizasse os textos, foi do amigo Luiz Pita, que fez toda a produção artística do
livro, junto de Juliana Fernandez Acosta, consolidando mais um trabalho em parceria comigo, após o nosso 'Isabelita, a menina dos patins', em que ele e Dalva de Assis ilustraram lindamente.
(Ouça aqui uma das declamações de Fátima Lima)
(Ouça aqui uma das declamações de Fátima Lima)
O
que dizer sobre a poesia brega?
Se o conceito de poesia é a arte escrita que transmite um contexto afetivo,
seja qual for o seu objeto artístico, o poema é definidamente uma estrutura
específica que contém versos, estrofes, métricas, melodias, rimas ou não. E
vale lembrar que a poesia é uma das principais artes mais antigas e
tradicionais, na qual a linguagem humana se comunica.
O
poema é um texto que obedece ao padrão estético e literário. A poesia vem da
alma. O poema entra na alma. A poesia pode ser qualquer coisa, enquanto o poema
é uma coisa qualquer.
Temos
o poema, como um objeto estilístico, contém existência material e concreta do
poeta. Já a poesia tem seu caráter imaterial, subjetivo e transcendente. O
poema pensa e a poesia fala.
Se
poema é uma obra que apresentada padrões e regras, então a poesia é uma forma
especial, dirigida à imaginação e à sensibilidade, transmitindo emoções. O
poema é racional. A poesia é visceral. E mais: em todo poema há poesia, mas nem
em toda poesia há poema.
No
caso de Fátima Lima, autora instintiva e visceral, sua poesia é de ordem crua e
nua, o seu arroz com feijão literário, tipicamente o prato nosso de cada dia,
feita para os amantes que estão por aí, por todos os lados, observando as
estrelas e a lua, chorando nos cinemas ou nos finais das novelas, até quem sabe
dançando ou ouvindo a sós uma canção de Roberto Carlos ou Alcione.
A
vida e o amor são as mais elaboradas essências da poesia. Sempre foram,
destrinchados em temas como solidão, separação, euforia, atração... e gerando a
fragrância de uma poesia que deseja expressar exclusivamente os sentimentos,
considerados por alguns como 'brega'.
Nos
dicionários, a palavra 'brega' é algo conceituado especificamente na música,
assentado nos aspectos do romantismo popular, em especial na canção conhecida
como 'dor de cotovelo', com arranjos sem grandes elaborações, um substancial
apelo emocional, exagero de melodias e letras com rimas fáceis e expressões
usuais. Também taxado pela elite como um gênero de 'mau gosto' ou 'cafona'.
Desde
os anos 80, uma época considerada por muitos como 'brega' – mas afinal qual
passado não é? – essa palavra passou a ser largamente usado na mídia, sempre de
maneira pejorativa, rotulando a arte criada sem um 'valor artístico'.
Ainda
sem conter uma conceituação correta ou profunda, prefiro entender o termo como aquilo que exprime toda arte feita para todos, sem distinção social,
cultural ou temporal, longe do refinamento buscado por muitos e com exageros
dramáticos e conteúdo livre ou até ingênuo, agradando a maioria.
Porém,
como não há uma definição propriamente dita para o 'brega', o termo se torna um
extenso alvo de discussão para os que tentam estabelecer um perfil rígido para
ele, que mal se designar numa condição específica.
É
justamente essa imprecisão conceitual que carrega o 'brega' e o faz abarcar
inúmeros artistas, seja na poesia, na música ou nas artes em geral, onde o
sentido – ou falta dele – só reforçam sua imprecisão.
Entre
tantos boatos, historicamente, cogita-se que a origem do 'brega', embora ainda
desconhecido, pode ser um sufixo da palavra 'nóbrega', que consta no nome da
rua Manuel da Nóbrega, uma antiga região de meretrício, há muitas décadas, em
Salvador, de onde provinham canções românticas que embalavam as
calorosas noites de amor. Seria lá então o berço do 'brega'?
Seja
como for, ele continua ligando os amores e suas dores, rimando os corações sem
perdões, vendo os amantes chorando ou suspirando, alastrando mais e mais suas
raízes por aí. Ninguém escapa incólume da vida. E nem do brega.
Ainda
há quem, dotado de um espírito mais elaborado, prefira utilizar o termo
estrangeiro 'kitsch'. O fato é que se a poesia de Fátima Lima é brega ou não, o
mais importante é o seu contexto e toda a carga biográfica nela contida.
Fátima
merece ser conhecida como emissora de um relato da vida, e lida o
som de uma música pop, internacional ou não, lenta e antiga, dotada de
nostalgia – exatamente como ela fazia nas rádios em que declamava e nos cds poéticos que gravou – lembrando
os velhos LPs das bandas nacionais como o RPM, que trazia na capa a inscrição: 'Para ser ouvido no
volume máximo'.
Não
só na obra de Fátima, poeta do povo, mas também de consagrados autores como
Fernando Pessoa, encontramos citações de que as cartas de amor são ridículas,
mas que não seriam cartas de amor se não o fossem. E assim aprendemos um pouco
sobre o seu amor de poeta revelado pelo poeta do amor.
Mas fica a critério de cada leitor sentir o seu mais sublime e alcançar a
sua interpretação, onde percebemos e sentimos que nem
todos podem ser poetas, mas o poeta pode ser todos.
E
o amor é para todo mundo.
O INQUILINO
(Fátima Lima)
Certa noite
alguém bateu em minha porta:
Quem é? perguntei.
É o amor, alguém me respondeu.
O que desejas?
Desejo um coração para amar
e um lugar para ficar...
Você está sozinho?
Não, a saudade veio comigo.
Por que vocês não procuram um hotel?
Já procuramos, mas os quartos
estão cheios de amor...
Abri a porta
para meus hóspedes entrarem.
E ficaram comigo por um certo tempo.
Certa manhã
o amor saiu para comprar jornal
e nunca mais voltou.
Até hoje só a saudade
mora comigo em seu lugar...